REPORTAGEM
Clube Náutico:
há 20 anos a sonhar (n)o mar
São
cada vez mais as pessoas que, oprimidas por um quotidiano onde reina o stress
e a poluição, (ambiental, sonora e até de informação), encontram no mar o
merecido descanso. Não são pescadores profissionais e muitos nem sequer
amadores. Mas – em escapadelas durante a semana, fins-de-semana
‘roubados’ ao sofá e aos comandos da televisão ou às grandes superfícies
comerciais, ou nas férias –, é para a marina da Figueira que se dirigem.
Chegam sozinhos, com amigos ou, mais comummente, com a família. Entram para
os seus barcos, uns pequenos, outros maiores, e partem para passeios mais ou
menos longos, repentinamente libertos das preocupações dos tempos modernos.
Por umas horas, tudo é bonito, calmo ou divertido, mas relaxante. O stress
ficou no cais e, diz quem sabe, enfraquece com a viagem. Quando regressam do
mar, as preocupações do quotidiano podem estar à espera, mas enfrentam-se
com novas forças. É o poder das águas, que os cerca de 600 sócios do CNAFF
já descobriram.
Bem aqui, na Figueira da Foz.
Desde o tempo do Zé
Carapau
Data de Abril de 1984 a
escritura pública do Clube Náutico da Figueira da Foz (CNAFF), mas, como
sempre acontece, o sonho nascera muito antes, em convívios amigáveis de
entusiastas da náutica de recreio ou, por palavras mais simples, dos prazeres
de andar no mar.
Miguel Amaral, o actual presidente do CNAFF, recorda que por esta altura,
“em Portugal, as actividades náuticas de recreio estavam ainda numa fase
muito embrionária”.
Pouco ou nada havia no país, e a Figueira, apesar das suas excepcionais condições,
não era excepção. “Haveria meia dúzia de barcos na doca antiga, onde as
condições eram muito rudimentares”, conta, evocando a figura do “Zé
Carapau, um pescador reformado que manobrava um ‘vai-e-vem’”, que
aproximava os bar-cos ou permitia que estes se afastassem da margem.
Quem vai ao mar… constrói
em terra
Miguel Amaral recorda que foi
num dos muitos almoços entre “a rapaziada” que o grupo se decidiu a,
finalmente, constituir o clube náutico.
“Não tínhamos sede própria, mas reuníamos na Assembleia Figueirense”,
explica, acrescentando que a primeira sede só surgiria cerca de dois anos
depois. Era pouco mais do que um pré-fabricado de madeira, mas foi mais um
passo no caminho da consolidação da associação a que preside hoje, e da
qual nunca se desligou, muito embora os es-tudos o tivessem levado durante
alguns anos a afastar-se da Figueira. “O tempo passou, a ‘rapaziada’ que
fundou o CNAFF foi casando e constituindo família, mas a maioria, ainda hoje,
20 anos depois, continua a participar da vida do clube”, revela com orgulho
indisfarçado. Mas não foi só nas vidas pessoais dos primeiros
‘cnaffistas’ que o passar do tempo operou mudanças.
“Com a melhoria das condições, o clube também teve de crescer”,
prossegue. Assim, as instalações pré-fabricadas deram, há dois anos, lugar
ao edifício que alberga hoje os serviços administrativos do clube, um espaço
de recepção aos utentes da marina e ainda um restaurante. “Tudo isto só
foi possível graças ao contributo do Instituto Portuário dos Transportes
Marítimos (IPTM) e do seu responsável à época”, sublinha,
congratulando-se por ter sido compreendido que “havia necessidade de
aumentar as instala-ções, com uma localização mais benéfica”, tendo o
IPTM cedido o espaço para o fim em causa, ou seja, para a sede.
Uma porta de entrada em
Portugal
“Não me canso de repetir
que esta marina é uma porta de entrada em Portugal”, afirma Miguel Amaral,
que não desiste de lutar para que a marina seja cada vez mais um espaço
aprazível, atractivo e funcional. “Há muitas entidades, da guarda fiscal
ao serviço de estrangeiros e fronteiras, nas proximidades, e também por isso
é tão importante dispor de boas condições para receber quem aqui chega”,
defende, exemplificando com a recente estrutura dos balneários, “mas também
o clube e o restaurante”, onde aliás, garante, “come-se muito bem e por
valores muito acessíveis”. De realçar que este espaço gastronómico e de
convívio é aberto a toda a população e funciona diariamente, das 10h00 às
00h00 (fora do período de Verão), ou das 9h00 à 1h00 (horário de Verão),
encerrando apenas às segundas-feiras. “O local é lin-díssimo, o ambiente
muito agradável, e é uma pena que as pessoas, em geral, não saibam que está
aberto a qualquer pessoa, independentemente de ser ou não sócio do CNAFF”.
‘Cnaffistas’ sem barco
Dos cerca de 600 sócios do
CNAFF, alguns não têm qualquer embarcação. É que há muitos outros
motivos para ser sócio deste clube. “Para quem é proprietário de uma
embarcação, a maior vantagem é o desconto de cerca de 20 por cento no tarifário
da marina”, explica Miguel Amaral, acrescentando que os 90 novos postos de
acostagem, que aumentaram para um total de 320, “ainda não chegam para
responder à lista de espera, com cerca de 100 pedidos”. Mas, para quem não
tem barco, o CNA-FF tem interesse por outros motivos. “Temos a escola de
vela, a funcionar em duas modalidades: para crianças e para adultos”,
afirma o presidente do clube, que aproveita para recordar o protocolo
estabelecido com a autarquia, “que vai no sentido de, progressivamente,
incorporar a vela no desporto escolar”. Para este apaixonado da náutica de
recreio, e pai de dois jovens também já imbuídos do ‘bichinho’ destas
actividades, o protocolo que permite às crianças do 1.º ciclo do ensino básico
o contacto com a vela (sendo os custos suportados pela autarquia), “é bom
mas não suficiente”.
“Os próprios conselhos executivos das escolas poderiam ter mais
iniciativa”, sustenta, lamentando que, neste sector, a “Figueira da Foz
ainda esteja um pouco atrasada em relação a outros locais com mar”. “É
necessária uma maior sensibilidade”, conclui, adiantando que as crianças
podem frequentar o curso de iniciação a partir dos sete anos, desde que
saibam nadar.
“Começam por pequenas embarcações, estilo ‘Optimist’ e vão
progredindo, passando da iniciação à aprendizagem e, finalmente, o aperfeiçoamento”.
Mas não são só os mais novos que podem sonhar com novas e revigorantes
experiências. “A iniciação para adultos tem vindo a crescer, em muito
porque cada vez mais as pessoas precisam de actividades que lhes sirvam de
escape para as correrias do dia-a-dia”.
Curioso também é o facto de, entre os ‘cnaffistas’ proprietários de
barcos, só um ser do sexo feminino. “Mas isso não significa que não haja,
ou sequer que haja pouca mulheres envolvidas na náutica de recreio… a maior
parte dos sócios faz-se acompanhar da família”, explica, sorrindo ao
contar que “sobretudo aos fins de semana, é um corrupio de pessoas de várias
idades, crianças e até o cão”.
Um prazer para todos
Mas quem são os ‘cnaffistas’?
“São pessoas oriundas de todos os estratos sociais”, garante Miguel
Amaral, que conhece, bem, os sócios do ‘seu’ clube.
“Temos sócios no activo e outros que estão reformados, temos operários
fabris e quadros… já não faz sentido pensar nesta actividade como sendo
elitista”, defende, acrescentando que “há barcos mais caros e outros mais
acessíveis”.
E de onde são os sócios do clube? “A maioria é de fora da Figueira,
pessoas do interior da zona centro, que vêm à Figueira para usufruir destas
condições fantásticas… que os figueirenses têm bem mais à mão, e a
que, talvez por isso mesmo, não dão tanto valor”.
Exposição náutica começa
hoje
Ainda que muito pudesse ser
melhorado, o presidente do CNAFF não tem dúvidas: “A náutica de recreio e
a pesca amadora são mercados com futuro e com muitas potencialidades. A
rentabilidade é enorme, porque há cada vez mais pessoas a aderir a esta
actividade, e a prova é que o número de embarcações à vela e a motor
(para pesca amadora) tem também vindo a aumentar”.
A comprovar o dinamismo do sector, tem hoje início, na doca de recreio, uma
exposição de embarcações de recreio e artigos náuticos. A mostra/venda
prolonga-se até 11 de Abril, e integra-se no programa de comemorações dos
20 anos do CNAFF. “A exposição vai estar aberta todos os dias entre as
9h30 e as 19h00, e esperamos que contribua para divulgar esta actividade e até
o espaço junto do maior número de pessoas possível”, salienta Miguel
Amaral, que não esconde o desejo de ver este certame repetir-se. “Se
resultar, é claro que é para continuar.
Até porque na zona centro não há nada do género, e faz falta”.
De vento em popa
Costuma dizer-se que os 20
anos são o auge da vitalidade. Ao CNAFF não falta, pelo menos, a vontade de
confirmar a expectativa de que os próximos tempos sejam de consolidação de
projectos e de aproveitamento das oportunidades para fazer mais e melhor.
“Em termos de lazer e desporto, vamos realizar alguns eventos, nomeadamente
regatas. Teremos também o regresso, com força, do XXV Grande Prémio de
Motonáutica, e entre 7 e 9 de Maio, o campeonato nacional da Classe 420”,
destaca Miguel Amaral.
Quanto a sonhos para o clube, passam sobretudo pela construção de uma sede
de “alvenaria” e claro, pelo equilíbrio financeiro.
Para já está a ser ultimado mais um passo para a divulgação das
actividades do CNA-FF: “o site na Internet deverá estar disponível em
meados de Maio, e será seguramente um dos mais bem conseguidos do país”,
garante sem falsas modéstias.
Andreia Gouveia